6 de dezembro de 2008

De Apolinario Ternes

Duas palavras mais, sobre as enchentes.

Em consideração às vítimas, aos quase seis milhões de catarinenses e ao País, cansado e sofrido de assistir a tanta tragédia, destruição e dor, não se deveria escolher o tema de todas as pautas para cair na repetição do mesmo. Pelas mesmas razões, imperativamente, se torna obrigatório o retorno.

Não se trata de buscar culpados ou apontar responsáveis, mas de buscar causas e tentar, ainda, reduzir os efeitos da repetição, pois ela virá, amanhã ou depois. Como agora, 25 anos depois de 1983, em mais dramática circunstância, cobrando preço maior. A enchente na cidade de Tubarão, em março de 1974, com 199 mortos, e as históricas enchentes do Vale do Itajaí em 1983 e 1984 se repetiram em novembro de 2008 em razão de efeitos combinados da natureza. Assim como os acidentes de avião precisam muitas vezes de fatores somados para determinar uma tragédia, também agora várias foram as combinações que explicam o tumulto das águas e o desassossego das terras. Tivemos novo espetáculo da dupla revolta da natureza, diante da vulnerabilidade humana mostrada em sua absoluta fragilidade.

As amargas experiências anteriores pouco serviram para os homens daqui. O poder público continua, como sempre e não apenas aqui, absolutamente ineficiente, ausente, omisso. De um lado, a população se instala onde não deve e não pode, mas o faz premida pela necessidade. De outro, o poder público, que tanto fala, tanto encena, tanto gesticula, nessas horas mostra sua inoperância e inutilidade. Um duplo castigo – a população imprudente e governos impudentes, um caso duplo de consciência mínima.

A tragédia de nossos dias, repetição de outras em menor escala de tantos outros anos, tende a se repetir. E teremos de novo o vôo de helicóptero de cinco minutos de deus-pai, com acólitos e áulicos, anunciando verbas iluminadas que jamais serão liberadas. Eles podem anunciar tudo, porque não há critério de cobrança, e tudo ficará no porão da burocracia, envolto no papel da não-seriedade, de uma nação especializada em premiar a inconseqüência do poder. E quanto maior o poder, maior a desfaçatez. Quem acredita, afinal, nesses rosários de providências, nesses milhões fáceis que as vozes burocráticas vomitam, nesse rosário de siglas, números e programas oficiais de benefícios, financiamentos e prorrogações? O flagelado que perdeu tudo prorroga o quê? O prazo de seu martírio? Onde? Fala com quem?

O que funcionou na tragédia? A Defesa Civil, em precárias condições na maioria das cidades. Em Joinville, os dois veículos do órgão estavam com problemas no início das inundações, revelou a imprensa. Não houve qualquer aviso para que as populações se retirassem dos locais de risco. Nada do planejado funcionou em todo o Estado, apesar das sucessivas tragédias. Funcionaram, exemplarmente, as Forças Armadas, os bombeiros, e todos os voluntários. E a solidariedade, comovente, dos catarinenses, e do todo o País. Enquanto por aqui circulavam pelas estações de tevê políticos cheios de palavras e destituídos de ação.

A tragédia é grande, e podia ter sido evitada, pois Santa Catarina já tem experiência, mas nada fez. Pelo contrário, continua devastando a mata atlântica. Não possui legislação ambiental adequada e, agora mesmo, cuida de aprovar um texto inadequado para a área. As prefeituras, mesmo de cidades grandes como Joinville e Blumenau, Jaraguá ou São Bento, para não falar da Capital do Estado, têm estruturas sofríveis de planejamento urbano e cuidam do trânsito sem técnicos e sem especialistas, e, assim mesmo, estão abarrotadas de servidores. Necessitam de sopro de competência, mas vivem apenas do jeitinho político.

Verbas milionárias foram anunciadas. O Estado deveria criar mecanismos para garantir a aplicação dos recursos – para que não fiquem na retórica, como sempre. A sociedade civil deveria organizar comitês para cobrar transparência na aplicação dos recursos. Onde está a sociedade civil? A solidariedade é bonita, mas não basta, é preciso organização. O que Santa Catarina não teve antes. Apesar das experiências amargas que acumula.

O texto publicado no jornal A Noticia, no domingo dia 7 de Dezembro, coloca com muita propriedade e com a elegância que lhe é caracteristica, muitos dos pontos de vista que este blog e a maioria dos seus leitores tem abordado durante estas semanas de dor e tristeza. Os destaques em negrito no texto são nossos.

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