5 de dezembro de 2009

Brincando com a cidade



UMA NOVA PAISAGEM DEVE SER PENSADA SEM ESQUECER CONCEITOS DE SUSTENTABILIDADE E QUE NOSSAS DECISÕES NÃO TERÃO VOLTA

Tem-se assistido a mudanças no palco da cidade de Joinville. Dormimos conscientes de que estamos morando em um determinado zoneamento e acordamos sabendo que foi alterado. Exemplificando o ocorrido, na rua Expedicionário Holz, bairro América, de ZR1 (zona residencial) passou a ZCE (zona central expandida), permitindo edificações de 18 pavimentos onde até então era possível edificar até dois pavimentos. Dezoito pavimentos para uma rua com apenas duas quadras e cujo fluxo viário já é bastante intenso em vários períodos do dia? É possível? Ocorreu análise técnica coerente para esta mudança? Os moradores foram consultados e ouvidos?

Outras ruas das imediações passaram a vigorar como ZR6 (zona residencial) e ZCD4 (corredor diversificado), definindo os gabaritos de 12 e seis pavimentos, respectivamente. Na ZCD4 incluem-se, dentre outras, a Timbó, Otto Boehm, Expedicionário Holz (segunda quadra), Camboriú, Aquidaban e Conselheiro Arp.

Ainda frente às mudanças a ZCT (zona central tradicional), ‘marco zero’, terá gabarito de 18 pavimentos, a citar ruas como a Padre Carlos, Pedro Lobo, Mário Lobo, Princesa Isabel, e a ZCE “Oeste Sul” já mencionada, também com 18 pavimentos, dentre outras a Padre Carlos, Plácido Olímpio de Oliveira, Valgas Neves e Duque de Caxias. Inclusive, algumas destas ruas possuem patrimônios culturais, vindo a contrapor a lei 5.846/80, artigo 24, e a Recomendação da Carta de Nairóbi/Unesco (1976), que preconiza a preservação das características dos bairros, da cidade, dos sítios, respeitando a escala. Ou seja, como ter 18 pavimentos?

Propostas de interesses duvidosos vêm sendo apresentadas, como a liberação de gabarito além da área urbana também na área rural, desrespeitando a área verde (morros, nascentes, ciclo das águas, áreas importantes de preservação); rebaixamento de meio-fio, desrespeitando o caminhar seguro; redução de recuos laterais nas edificações e maior taxa de ocupação nas construções, que virá a piorar o conforto térmico para uma cidade já de clima quente e úmido em demasia; permissão de implantação divergente do zoneamento (Lei de Uso e Ocupação do Solo).

Está sendo ignorada em nossa cidade a importante análise da infraestrutura de saneamento básico (água, energia, esgoto, drenagem), estudo de impacto de vizinhança, estudo dos fluxos viários, estudos de bioclimatismo urbano (luz, sol, vento) de conforto e segurança, estudos de permeabilidade do solo, de pavimentação geradoras de ilhas de calor e, de arborização pública. Esquece-se dos aspectos que vêm a consolidar a qualidade de vida da cidade em busca da tão falada aos quatro ventos sustentabilidade urbanística. Ao peso de pressões por meio de fúria desvairada de falta de princípios?

Devemos lembrar que a cidade é de todos, como já preconizado pelo Ministério das Cidades com o Plano Diretor Participativo, e não de alguns com interesses, tendo no bojo apenas a ascensão econômica ao prazer do espaço coletivo. A função do órgão público é zelar e gerir pelo “Desenvolvimento Sustentável da Cidade” como roga no “Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável do Município de Joinville”.

Sustentabilidade consta de um conceito sistêmico, relacionado com a continuidade dos aspectos econômicos, sociais, culturais e ambientais da sociedade humana e, segundo o Relatório Brundtland (1987) intitulado “Nosso Futuro Comum”, é entendido como uma forma de desenvolvimento que une as necessidades da geração presente sem afetar a habilidade das futuras gerações usufruírem da herança natural e cultural que lhes cabe. A lembrar, o citado relatório foi elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pela ONU.

A cidade parece estar sendo disputada como assistíamos nos filmes do velho Oeste. Como ficará esta Joinville que está chegando a constituir-se em região metropolitana? Os cuidados deverão ser imensos e intensos. A consciência dos que tentam forçar para mudanças inadequadas, esquecendo-se dos que habitam nesta cidade, não está pesada quanto ao descuido, descaso, improbidades e tudo mais que virá para todos?

Os poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e cidadãos em geral estão refletindo sobre este assunto? O futuro já chegou e todos deverão pensar tecnicamente, com emoção e razão para gerir e administrar a cidade que é de todos.

O pensar a cidade sustentável depõe contra posturas de interesses individuais. A lembrar que, quando se escuta falar em adensamento, surge a verticalização como tiro de frente pela justificativa desta ação em áreas com infraestrutura. Pergunta-se: esta infraestrutura resume-se ao que temos assistido, apenas a análise da existência de ruas e calçadas, rede de água e energia?

Para planejar a cidade sustentável, a visão sistêmica deverá ser o pano de fundo deste palco. Nosso planeta e nossa cidade se encontram na encruzilhada decisória de práticas para a sustentabilidade ambiental dos assentamentos urbanos. Cidades jardins, village homes, permacultura, ecovilas, ecocidades, cidades compactas, cidades estendidas, cidades dispersas mostram-se como novos paradigmas a serem revistos em busca de proteção e recuperação dos recursos naturais e do desenvolvimento sustentável, integrando o desenvolvimento econômico e social no equilíbrio do desenvolvimento da paisagem.

As questões sociais e o saneamento ambiental devem ter equilíbrio para que possamos sair do desenvolvimento para desenvolvimento atento à biodiversidade e sociodiversidade, para a promoção do desenvolvimento sustentável. O compromisso com a sustentabilidade exige nova visão de ordenamento territorial e do consumo energético como condutor da urbanização.

A área rural tem potencial para atividades ligadas ao turismo ecorrural, fruto de estudos existentes, faltando sim infraestrutura básica de saneamento e equipamentos aos habitantes locais. Poderá vir a ser utilizada não como foco de especulação imobiliária ou de ocupação de áreas ambientalmente frágeis, mas de formação de ecovilas, tendo serviços de apoio a toda a localidade rural, para a sustentabilidade social, cultural, econômica e ambiental.

Para ocorrer a almejada sustentabilidade do espaço construído e da paisagem, haverá de se pensar no urbano e no rural como unidade territorial, porém com cuidados diferenciados dentro da complexidade de cada sistema.

Práticas e experiências bem-sucedidas apresentam caminhos. Há o que ser refletido para agir, tendo como princípios a visão sistêmica para a sustentabilidade ambiental. Pensemos em nossa cidade com todo o respeito e cuidado. Não haverá retorno para ações equivocadas e desmedidas.

* Rosana Barreto Martins é arquiteta e urbanista, especialista em desenvolvimento regional e urbano pela UFSC e especialista em reabilitação ambiental sustentável arquitetônica e urbanística pela UnB.
E-mail: martins.hoepfner@terra.com.br.

Publicado no Jornal A Noticia

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