17 de setembro de 2008

Nas coxas




FEITA NAS COXAS

No Brasil colonial, as telhas de barro eram literalmente feitas nas coxas, normalmente em coxas de escravos afastados de trabalhos mais pesados, sendo o produto final, devido à existência de vários moldes (as coxas não são iguais), era um telhado não uniforme ou aparentando ser mal feito. Daí a expressão feita nas coxas remeter ao pensamento daquilo que foi mau pensado, mau produzido ou mau gerido.

O Estatuto das Cidades, lei federal 10.257 no seu artigo 2º, diz: “a política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana”, e estabelecem suas diretrizes, sendo o inciso II o que trata da gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento dos planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.

Estas normas também constam da Lei Complementar 261/08 do Plano Diretor de Joinville, sendo que o artigo 82 desta estabelece os Instrumentos de Democratização da Gestão Urbana. Desta forma, o Executivo enviou a Câmara de Vereadores projeto de lei 29/08 no dia 3 de setembro último cumprindo em parte sua obrigação legal. A leitura de tal projeto sugere a subversão de valores ao que foi proposto como forma democrática de fazer.

Ato posterior à aprovação da lei, o Executivo teria obrigação de convocar, organizar e coordenar a Conferencia Municipal, mas já no projeto de lei enviado a câmara dá novo entendimento ao discutido e aprovado na Conferencia do Plano Diretor.

Em tese deveria obedecer aos moldes (nas coxas) da forma que foi a Iº Audiência Publica do Plano Diretor.

A Conferencia Municipal teria como primeira função estabelecer o regimento de funcionamento, eleger delegados para o Conselho da Cidade, Câmaras Setoriais,de onde sairiam os membros do Conselho Consultivo e Deliberativo onde o chefe do executivo teria um único poder, o de homologação.

As formas e seqüências estão estabelecidas nas ordens dos artigos da lei complementar 261/08, portanto, o projeto de lei enviado agora a Câmara de Vereadores esquece todo o dito em dois anos de propostas e discussões voluntárias.

A proposta de lei assume que o diálogo entre governo e sociedade civil se dá na Conferência Municipal, porém remete sua convocação às vontades do prefeito, a um Conselho por ele nomeado ou determinações estaduais, como dito no art. 3º do projeto de lei.

Devemos exigir a mudança deste modelo de pensar do executivo onde ele se vê como o único administrador da cidade. O pensamento da gestão democrática seria administrar a vontade da cidade. Se o governo não assume uma forma democrática de fazer, a sociedade civil deve encontrar um meio de fazer suas vontades serem respeitadas e discutidas.

No mesmo projeto ainda aparecem os instrumentos para o Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança (EIV), inicialmente com sigla diferente do Estatuto da Cidade, onde sorte nossa fosse esse o único problema. Tal proposta deve ir além de um conjunto de regras.

Não são apresentados os planos de mobilidade e acessibilidade da cidade, a proposta foca apenas o empreendimento que segue a classificação de grande. O termo grande é apenas adjetivo, muito pouco para qualificar o sujeito. Não será surpresa que outras leis complementares que estão a pipocar pela Câmara de Vereadores serem portadoras desses mesmos sintomas, principalmente o da falta de diálogo com a sociedade, como estabelecem o artigo 40, § 4º e seus incisos do Estatuto das Cidades.

Vamos acordar Joinville, não vamos permitir que leis draconianas ou de interesses setoriais sejam aprovadas, leis estas que definirão nossa forma de poder desenhar e construir a nossa cidade do futuro.


Arno Kumlehn

Arquiteto e Urbanista

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