11 de agosto de 2008

Na contramão


O Jornal a Noticia de Joinville, publico no passado dia 6 de agosto o texto que transcrevemos em azul, de autoria de Valdete Daufenbach, o texto Na Contramão. Uma joia irretocavel.


Ninguém mais duvida do iminente aquecimento global anunciado por cientistas e ambientalistas. Diariamente, a mídia divulga matérias sobre o tema, cuja preocupação transborda a esfera ambiental para o campo social como efeito colateral das mudanças climáticas que atingem a população. Também é ponto pacífico que os veículos motorizados têm responsabilidade na emissão de gases que contribuem para o aquecimento global, além de poluir a atmosfera e comprometer a qualidade do ar que respiramos.


No mundo inteiro, iniciativas para reduzir os riscos ambientais são incentivadas com recursos financeiros aplicados em planejamento estratégico nas políticas urbanas. No Brasil, o Estatuto das Cidades prevê ações diretivas que garantem a sustentabilidade urbana de acordo com os interesses da coletividade. Por sustentabilidade entende-se o equilíbrio entre os fatores econômicos, sociais e ambientais.

Nas cidades em que o crescimento econômico galgou à custa dos recursos naturais e da exploração humana, seguindo a lógica oportunista do mercado, as possibilidades da emergência da consciência ambiental ficam restritas ao campo da observância das leis e normas proibitivas com sentenças de punições às infrações. Afora as leis, a resolução econômica define os critérios das dinâmicas urbanas, porém, com pouca disposição ao reconhecimento dos princípios da diversidade social.

Joinville é uma dessas cidades com potencial econômico que mantêm centralizadas as políticas urbanas. No final das contas, prevalece o discurso evocando as boas intenções em benefício da melhoria dos serviços oferecidos à coletividade. Para atender aos interesses da racionalidade econômica, recentes mudanças no sistema viário de Joinville trouxeram uma nova dinâmica à população que se movimenta na cidade, seja motorista, ciclista, pedestre ou usuário do transporte coletivo.

Em duas longas ruas de mão única com duas pistas foi adicionado um corredor exclusivo para ônibus, eliminando estacionamentos em todo o percurso, redobrando a atenção dos motoristas que necessitam convergir à direita para acessar ruas laterais e de pedestres que precisam acompanhar a rapidez do trânsito ao atravessar a rua e ainda ficar atentos às bicicletas que constantemente sobem nas calçadas. Por lei, o ciclista não pode transitar nas calçadas e, na falta de ciclovias, estava acostumado a dividir espaço com os carros nas ruas. Lembrando que as poucas ciclovias em Joinville estão desaparecendo com a ampliação das ruas para dinamizar os veículos motorizados.

Agora, com a última reestruturação viária, o setor público recomenda que os ciclistas não utilizem as ruas principais da cidade por onde o trânsito é rápido por oferecer riscos de atropelamento. Nesta fase de adaptação da reestruturação viária, alguns ciclistas costumam utilizar o corredor exclusivo para o transporte coletivo e só percebem a presença do ônibus quando o motorista do veículo usa a buzina para alertá-los. Se o ciclista não pode transitar na calçada nem na rua, como ele deve proceder? A este respeito, ninguém melhor para opinar do que os próprios ciclistas. Em grupos de discussão virtual, ciclistas se mostram favoráveis à idéia do corredor exclusivo para ônibus, pois entendem que, assim, não precisam disputar espaço com carros, mas utilizar o mesmo espaço destinado ao transporte coletivo, pedalando na contramão.

Andar na contramão. Parece metáfora, mas é o que revela esta cidade em relação à emergência socioambiental. Quando no mundo todo estão se discutindo alternativas de transportes não-poluentes, inclusive incentivando o retorno da bicicleta nos centros urbanos, Joinville investe em uma infra-estrutura viária excludente, privilegiando os veículos motorizados. Assim, o desenvolvimento urbano continuará sem o adjetivo sustentável, em que pese a filosofia do crescimento econômico cuja agilidade do capital depende da agilidade das quatro rodas. E a população, acostumada com poucos direitos, considera o corredor exclusivo para ônibus uma conquista por economizar alguns minutos na corrida contra o tempo nas obrigações cotidianas.

Uma cidade que já levou o nome de Cidade das Bicicletas parece preferir enterrar de vez este título. Talvez não por acaso que o Museu da Bicicleta foi ampliado e reinaugurado recentemente. A inércia atávica do joinvilense compromete o exercício da reflexão sobre os princípios da universalidade dos direitos socioambientais e contribui para o aquecimento global.

( vdaufen@terra.com.br )

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