30 de novembro de 2009

Castelo de Areia


O Jornal A Noticia publica hoje o texto Castelo de Areia do Arquiteto Sérgio Gollnick, que reproduzimos na integra.

Há um ano, escrevi o texto intitulado “Cidade sem rumo”. Nele, mencionava alguns abusos urbanísticos e o constante fracionamento do uso da cidade, com mudanças pontuais de sucessivas propostas para alteração do zoneamento. Mudou o governo, manteve-se a prática, agora com alguns requintes e discursos semelhantes do Legislativo e do Executivo, como se um pretendesse agradar ao outro. Transformar o tecido urbano numa colcha de retalhos virou sinônimo de “dinâmica” justificada por adjetivos que quase sempre terminam em “pujança”. Continuamos a rasgar nossos códigos e leis urbanísticas em troca de negociatas, colocando a cidade como território livre à especulação, penalizando os excluídos desafortunados ou ainda aqueles que defendem qualidades já quase irreconhecíveis.


A Câmara de Vereadores e a Prefeitura ignoram solenemente o novo Plano Diretor, esmerando-se em atender a desejos e pressões de grupos ou corporações. Audiências públicas são marcadas às 9 horas da manhã para temas muito relevantes quando todos os cidadãos de bem estão em suas atividades laborais, educacionais etc. Assim, useiros e vezeiros da “massa de manobra”, são legitimados atos, alguns abusos e desvios. Estas atitudes demonstram que estamos fragilmente suscetíveis às trapaças no trato dos grandes temas da cidade.

O novo governo, ao contrário do que se esperava, não tem proposta, é notadamente omisso, distanciando-se dos argumentos e promessas da campanha política. Falta transparência e percebe-se muita dissimulação no trato da coisa pública. Nossa cidade vem sendo negociada e não sabemos quais serão os resultados, os beneficiários e os penalizados. Protelam novas normas urbanísticas e descaracterizam as existentes que, enquanto existirem, são muito convenientes aos espertos. Vivemos um momento de práticas eticamente condenáveis e moralmente frágeis.

A onda de mudanças pontuais com interesses específicos pode nos fazer deduzir que não há qualquer motivação nem prioridade em regular o novo Plano Diretor, debatido, aprovado pela sociedade e em vigor. Protela-se sua regulamentação, inibindo o debate público e a necessária evolução na forma de traçar os rumos para o futuro de Joinville. Sob justificativas de crescimento econômico, fazemos leis para poucos excluindo cada vez mais a maioria, que segue carecendo de políticas públicas reconhecidamente eficientes. Uma sucessão de equívocos resultante de posturas autoritárias, paternalistas e, agora, de fisiologismos nos priva daquilo que seria o básico, um sistema de saneamento e a oferta de moradia digna são as resultantes do “não-planejamento”, que nos lega situações de difícil resolução no presente e no futuro.

Somos exemplos de muitas coisas, dentre as quais a de ser uma cidade sem rumo e totalmente indecifrável. Continuadamente convencidos a ignorar os mais qualificados valores, perdemos continuadamente nossas mais expressivas identidades. Desprezamos um planejamento eficaz, duradouro, protagonizado e reconhecido pela sociedade. Somos reféns de uma agressão ao processo de planejar a cidade com responsabilidade, onde deliberadamente se postergam medidas de impacto já aprovadas.

Carecemos de conduta ética que permita legar aos nossos filhos e netos um lugar no qual sonhamos. Joinville transforma-se rapidamente num organismo propício às pragas parasitárias e, do jeito que seguimos, muito pouco daquilo que orgulhosamente construímos e preservamos vai ficar de pé.

*Arquiteto e urbanista em Joinville

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...