Mudar ou seguir
"Entramos num marquetismo perigoso, que despolitiza", avalia o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, em referência à recém concluída disputa presidencial.Em entrevista publicada ontem por esta Folha, o ex-presidente ressaltou como partidos e postulantes têm preferido abrir mão do papel de liderança, que é "mudar, não seguir", ao deixar que as pesquisas de opinião tenham caráter dominante na definição de suas prioridades políticas -o que só contribui pra torná-los cada vez mais indistintos.
A relação entre políticos e eleitores, que deveria ser de mão dupla, tem se limitado no mais das vezes a uma expressão pasteurizada dos anseios da população captados pelas sondagens.
A democracia não pode prescindir dessa escuta, mas a elite política se aproxima da irrelevância quando não consegue, como observou FHC, antecipar problemas que a sociedade ainda não percebe como tais. Limitar-se a reiterar preocupações genéricas e previsíveis coligidas por pesquisas é abdicar da influência da liderança sobre o eleitorado.
A campanha oposicionista -sobre a qual recaem muitas das críticas do tucano- não pode quanto a isso ser acusada de ineditismo. Também a situação naufragou nesse aspecto, devendo sua vitória quase que exclusivamente a uma aprovação do passado. Mas faltou à oposição, ao longo dos dois mandatos do governo Lula, a capacidade de transformar suas críticas numa alternativa política mais clara, que transcendesse as discussões sobre lisura e competência gerencial.
Há, por certo, uma salutar convergência entre ideias que hoje propugna o PT e o projeto implementado no país durante o governo Fernando Henrique. A alternância de poder entre tucanos e petistas consolidou consensos, como a estabilidade da moeda e as políticas de combate à pobreza.
Fernando Henrique considera, no entanto, que essas semelhanças podem dar lugar a novas diferenças, acentuadas pela crescente predominância "do olhar do Estado". Se Lula, como "metamorfose ambulante", fez a mediação "de tudo com tudo" e assegurou oxigênio para o setor privado, não se pode afastar o risco de a tradição corporativista estatizante grassar no próximo governo.
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