25 de novembro de 2008

Uma longa reflexão


Ao leitor mais desavisado pode parecer que as enchentes que vivemos, são resultado exclusivamente das fortes chuvas que de uma forma pertinaz, visitam Joinville, ou "Rainville" ou “Chuville” como uns e outros a chamam de maneira mais carinhosa, que critica.

As enchentes que Joinville viveu nos últimos dias, levam forçosamente a duas reflexões, a primeira é que a maré alta acontece diariamente, duas vezes ao dia, Não é por tanto uma novidade para os joinvilenses, acontecia inclusive muito antes que estas terras fossem ocupadas por caiçaras e tupis-guaranis. A maré de lua acontece com a regularidade de um relógio lunar a cada 28 dias, também desde tempo imemorial.

As fortes chuvas são também uma constante da região, desde o el Niño e la Nina, por tanto mesmo que estes acontecimentos sejam intensos, não podemos nos deixar surpreender, por algo que a natureza, teimosamente nos oferece como os amanheceres e os entardeceres.

Nada mais injusto que culpar a Natureza, e as inclemências do tempo pelos estragos e prejuízos que ocasiona, como dizia Moscatelli “A natureza não se defende... ela se vinga!!!

A segunda nos leva a procurar entender melhor, porque os estragos são cada vez maiores, porque o prejuízo para os cidadãos é maior e mais freqüente. Inclusive não tem sido poucos os depoimentos de joinvilenses, que a cada chuva, mesmo as menos fortes, tem sofrido enchentes e perdido os seus bens duramente conquistados, quando não a vida.

Dizer que ninguém pode ser responsabilizado pelas fortes chuvas e pelos estragos que ocasionam, parece um contra-senso, e mesmo assim permaneço forte na minha convicção que as enchentes, ou melhor, dito os estragos, as perdas de bens e o elevado custo social, econômico e ambiental não são causadas pelas fortes chuvas e sim ela imprevidência, a irresponsabilidade e a ganância.

Não é de hoje que temos enchentes no Morro do Meio, em Pirabeiraba, Quiriri, no Jardim Paraí­so, na Vila Nova (Annaburg e Neudorf), no Panaguamirim, no América, e no Centro, por citar alguns dos nossos bairros.

Sempre teve, porque a proximidade com a Serra do Mar e a topografia da planície onde foram construí­das as primeiras moradias na Colônia Dona Francisca definiram as condições e fazem de Joinville uma região sujeita a enchentes. O que mudou? O que mudou foi alem da impermeabilização (asfalto), o desmatamento, as terraplanagens (cortes e aterros dos morros), a construção de moradias junto às margens dos rios e canais que drenam as bacias hidrográficas da cidade, a autorização criminosa para a ocupação com loteamentos e ocupações regulares de Áreas que sempre foram sujeitas a enchente, Não é de hoje que o Rio Águas Vermelhas (Há registros oficiais de inundação do Ribeirão das Águas Vermelhas em 1852) inunda grandes Áreas da Vilanova ou do Morro do Meio, só que antes estas Áreas não estavam ocupadas e funcionavam como bacia de detenção para amortecimento das ondas de cheias, ninguém corria o risco de perder bens, os impactos na vida das pessoas eram menores), porque a área urbanizada da cidade era menor do que atualmente, bem como sua população. No caso da região da Estrada de Ilha sempre alagou, se perdiam a safra da agricultura, gado e inclusive vidas humanas.

Mesmo construindo em cota topográfica um pouco mais elevada que a topografia natural do terreno, a comunidade luterana da Estrada da Ilha sofreu muito com as inundações.

Quem autorizou a ocupação das áreas alagadiças? Se já desde o Plano Diretor de 1.973 Joinville conhecia, mesmo que superficialmente, o mapa das suas enchentes. A Comissão de Loteamentos e os demais órgãos da Prefeitura Municipal envolvidos na questão, precisam usar as ferramentas técnicas adequadas, por exemplo na Lei de Loteamentos, e de planejamento urbano antes de emitir licenças a respeito da implantação de loteamentos. Porque alguém autorizou loteamentos e residenciais em áreas que enchem a cada chuva? Terraplanar um imóvel antes de construir não garante que ele ficará protegido de eventuais inundações, pois a cota poderá ser superada na próxima enchente.

Deve ser responsabilizado quem autorizou a construção de casas e inclusive edifícios sobre os rios Morro Alto, Jaguarão e Mathias, inclusive muitas destas construções não tem Alvará de construção, estão irregulares portanto, comprometendo a manutenção e limpeza de rios e corregos e condenando grandes áreas da cidade a enchentes regulares a cada chuva, mesmo as menores e menos intensas.

Seguir o rastro do lodo, que trazem as enchentes, não é um trabalho difícil, os nomes de cada vereador que aprovou, em nome do desenvolvimento e da especulação imobiliária, as leis, que permitiram esta ocupação, de cada secretario que elaborou os estudos técnicos, se é que foram feitos, e de cada prefeito, que encaminhou projetos de lei reduzindo a permeabilidade da cidade para atender aos interesses da uns e outros e condenando outros cidadãos, população de baixa renda principalmente a viver sob a ameaça constante de enchentes a cada pingo d’água. Os nomes e sobrenomes estão ao alcance de quem quiser chafurdar na historia da Colônia Dona Francisca já desde a época de Hermann Guenther em 1850.

Para quem tiver interesse em conhecer melhor o tema das enchentes em Joinville, nada melhor que conhecer o trabalho de Wivian Nereida Silveira. Um material que deveria servir de base e referencia em todas as discussões sobre desenvolvimento de Joinville. Nele se encontram identificadas todas as áreas alagáveis de Joinville, localizadas por bairro. Ainda o estudo prova que a pesar das chuvas ter reduzido nos últimos 100 anos, seguindo uma tendência mundial, nacional e estadual, as enchentes em Joinville tem sido mais freqüentes e mais graves. Ainda denuncia a ausência de dados técnicos, mapas e material cartográfico que poderia servir de ajuda as autoridades locais, na elaboração de projetos, estudos e propostas e que hoje se encontram em Florianópolis no acervo do Deinfra.

E ainda acrescentar, a constante impermeabilização da cidade, que perde a cada dia os seus jardins e quintais, não constrói novas áreas verdes, não as exige por lei e não toma medidas para proteger as poucas que ainda permanecem.

A cada dia a água da chuva, sem espaço permeável para se infiltrar no solo, percorre com maior velocidade as ruas, calçadas e praças pavimentadas, em direção aos pontos mais baixos e em menor tempo se produzem enchentes mais graves, que não dão tempo a se proteger e defender. Um cenário que faz que a cada nova nuvem os joinvilenses olhem o céu com apreensão e temor.

Publicado no Jornal A Noticia

2 comentários:

  1. Jordi

    Realmente os problemas se avolumam. A apresentação do PDDU na Câmara de Vereadores em sua primeira Audiência Pública no dia 12 deste mês bem mostrou como o planejamento é feito. Das sete bacias existentes no Município de Joinville neste convênio com o BID de 54 milhões de dólares, será apenas para a Bacia do Rio Cachoeira. E as outras? Resolverá o problema? A Bacia do Rio Cachoeira equivale a 7.27% das bacias.O consórcio de duas empresas nacionais e uma francesa estará ano cabo de um ano apresentando o projeto, que tenho minhas dúvidas frente ao exposto pelo professor eng. hidráulico, tentativas e tentativas como ele mesmo disse que "antigamente" cometia-se muito erro por tentar e no entanto continua-se a falar em "tentativas" com o dinheiro que é sempre escasso para saneamento "tentar"? Parece que em Joinville o pensamento é muito pequeno. Porque já não foi feito o PMS (plano muncipal de drenagem)para se ter a visão de todo o saneamento básico incluindo água, esgoto, resíduos sólidos e drenagem pluvial? Pasme que na mesa composta com os técnicos da PMJ falam em cidadão mas por incrível que pareça eles não se colocam ou sentem-se como cidadãos, porque será, não é possível o entendimento!

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  2. Parabéns pelo seu artigo. É isto mesmo. Você traçou o perfil real da ocupação indiscriminada das areas de risco geológico em Joinville.

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