O H1N1 em nome da CPMF
Eu nasci na fronteira com o Uruguai: Jaguarão. Cresci com invernos rigorosos. Muito frio, gripe, tosse, ... aprendi com meu pai que inverno era sinônimo de limpeza: “morre tudo que não presta, minha filha: rato, barata, mosquito, ...”. Também poderia matar os velhinhos da vizinhança: o seu Zé não passa desse inverno; com esta friagem, dona Sabina não agüenta até o fim de agosto; o irmão da dona Maria morreu de pneumonia...
Mas este ano, o Brasil abraçou a imagem da mortalidade da gripe suína. E espalhou o medo do espirro do vizinho, ... o vírus da AIDs e da gripe estão de mãos dadas, assombrando a todos.
Bom, ainda não conheci ninguém com essa tal da gripe suína. E os números de mortos não me assustam: 407 no país inteiro até o momento*.
Estava com dificuldade pra enxergar os bastidores deste circo. Lucro de algumas empresas? Sim. As vendas de máscaras, luvas, álcool dispararam; medicamentos vendidos no mercado negro, ... tem gente enchendo os bolsos com esta desgraça pop, mais pop que a novela das oito. O povo sentado na frente da telinha pra saber o número de mortes do dia; o ministro da saúde falando todos os dias na Voz do Brasil; a farra da suspensão das aulas, das atividades no serviço público; pessoas nas ruas usando máscaras...
Mas hoje caiu a ficha: o combate à gripe suína precisa de reforços. Para isso, o governo do povo vai aprovar, com urgência, a CSS - Contribuição Social para a Saúde. O que é isso? A versão moderna da CPMF, aquela mordida nas movimentações bancárias que gerava um ingresso de 42 bilhões por ano nos cofres públicos. E rendimento certo pro banqueiro, o grande privilegiado no Brasil.
Embora a gente tenha memória curta, em 1996 aconteceu o mesmo: a CPMF foi implantada – de forma provisória - para salvar a saúde pública no país.
Naquela época, as mortes nos hospitais do SUS vieram à tona: gente morrendo por falta de atendimento nos hospitais, por falta de medicamentos... e a mensagem era sempre a mesma: o SUS está quebrado, não tem dinheiro! Aí, entendemos o recado e aceitamos investir no SUS. Afinal, era provisório; e se tratava de uma causa justa. Com isso, uma família com 4 pessoas era obrigada a entregar 650 reais por ano a título dessa CPMF.
Como essa contribuição não chegou ao SUS, ele continua quebrado.
O governo nunca quis a extinção da CPMF: lutou para manter esta fonte de renda. Em 2007, distribuiu dinheiro e vantagens pros deputados e senadores votarem pela continuidade do tributo. Lembram como o Ministro da Fazenda, Guido Mantega, defendia a CPMF, tão fácil de pagar “porque não precisa preencher nenhuma guia e você quase não sente"? Parecia até humana: cheia de defeitos e virtudes, segundo ele.
Quando a proposta de prorrogação da cobrança da CPMF não foi aceita, José Temporão, o eterno Ministro da Saúde, declarou o luto da saúde no Brasil: "Perdeu a população brasileira. Perdeu o homem comum que usa o sistema público de saúde".**
E, desde então, o governo tenta recuperar esse dinheirinho perdido.
Agora, com o luto pressionando o ‘homem comum’, não podemos negar o Amém a esta iniciativa governamental! A bendita CPMF - ou CSS - é única maneira de eliminar o suíno vírus letal que está no ar, nas poltronas do cinema, nos carrinhos de supermercados, nas mãos do colega de trabalho, ...
Nada melhor do que um alarmante e bem divulgado surto de dengue, de gripe aviária ou suína ou outra doença infecto-contagiosa, falta de medicamentos pras nossas crianças, falta de atendimento e leitos nos hospitais... para que possamos repensar e rever decisões.
Parabéns aos mentores do terror da gripe suína! Agora entendo porque o Temporão alegou que era uma irresponsabilidade o livre acesso ao Tamiflu***.
* - http://www1.folha.uol.com.br/
*** - http://www1.folha.uol.com.br/
Ana Echevenguá, advogada ambientalista, coordenadora do programa Eco&Ação, presidente do Instituto Eco&Ação e da Academia Livre das Água, e-mail: ana@ecoeacao.com.br, website: www.ecoeacao.com.br.
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