16 de junho de 2013

O tudo e o nada

A primeira vez que chegamos a um lugar ficamos atentos a tudo o que nos rodeia, numa rua somos capazes de identificar mais de mil detalhes, os paralelepidos do calçamento, as flores na janela, as cores das fachadas, as texturas da parede, uma bromelia crescendo teimosamente no beiral, os carros estacionados, os rostos das pessoas, o olhar perdido de um aposentado, um ciclista com seu pedalar ritmado,  a tinta gasta da passagem de pedestres, os desenhos que forma o vidro do sinaleiro, o musgo que cresce no tronco seco, a passagem de um ônibus meio vazio nesta hora do dia.

Com o tempo deixamos de perceber os detalhes e nos concentramos naquilo que nos interessa. O espaço urbano se converteu só num espaço de passagem para ir de aqui até ali. Perdemos a sensibilidade de olhar e ver com atenção. E nos concentramos só em ir rapidamente de um lugar a outro. Os detalhes perdem nitidez, os rostos desaparecem e o musgo no tronco seco da arvore acaba ficando invisível. Passamos em pouco tempo do tudo ao nada.

Sem a sensibilidade para enxergar cada coisa nos seus menores detalhes, perdemos tambem a capacidade de analisar o nosso entorno próximo. passamos então a olhar a cidade com olhos menos atentos. Ficaremos também sem a capacidade de olhar e entende-la na sua complexidade. Os contornos indefinidos ocupam o lugar que antes ocupavam os detalhes arquitetônicos da fachada, as imperfeições da telha ou a mudança de tonalidade das cores ao longo das horas do dia ou das diversas estações. Quando perdemos a sensibilidade nos embrutecemos. Perdemos capacidade de sentir, de filosofar, de pensar a cidade com profundidade e passamos a tratar, temas complexos e densos, com pressa e de forma superficial, o resultado é a simplificação do debate e de novo a perda da capacidade de refletir.

  Há um nivelamento para baixo, que nos leva sempre a níveis inferiores, dos que dificilmente conseguiremos sair. transferimos esta perda de sensibilidade a forma como vemos e percebemos o nosso entorno e como nos relacionamos com ele e com as pessoas.  Ao despersonalizar  e esquecer que a cidade só é importante na medida que atenda os anseios e seja um espaço adequado paras pessoas que nela moramos. São essas pessoas as que lhe conferem a sua alma, o seu sentimento e a sua personalidade.

A forma como a cidade cresce, como se planeja e como se desenvolve reflete a forma como ela é vista pelos seus habitantes e pelos que tem a responsabilidade de administra-la. Ao perder a visão sobre os detalhes que compõem o tudo, acabamos ficando com a nada e deixamos de enxergar o essencial.

Publicado no jornal A Notícia de Joinville SC

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...