30 de junho de 2013

Na Folha de São Paulo de hoje - Elio Gaspari

ELIO GASPARI

A passeata de 1968 foi o fim de um ciclo

É bom lembrar: naquele dia o fato relevante foi o atentado ao QG do 2º Exército, que matou um soldado

Na semana passada, enquanto as multidões continuavam nas ruas, ecoou a memória da Passeata dos Cem Mil, de 26 de junho de 1968. A geração daqueles dias, com sua magnífica experiência, atribuiu-se uma capacidade de explicar o presente fazendo paralelos com o que viveu. Assim, além de não se explicar o presente, frequentemente se muda o passado.

No dia 26 de junho de 1968 aconteceram duas coisas. Às 4h30, de madrugada, o soldado Mario Kozel Filho, de 18 anos, estava na guarita de sentinela do QG do 2º Exército, no parque do Ibirapuera, e viu uma caminhonete C-14 vindo em direção ao portão do quartel. Desgovernada, ela parou num muro. O soldado foi ver o que era, e a C-14, com 50 quilos de dinamite, explodiu e matou-o. Horas depois, numa bela tarde do Rio, a passeata saiu pela avenida.

Contavam-se nos dedos as pessoas que gritavam "o povo unido jamais será vencido" dando importância à Vanguarda Popular Revolucionária, que explodira a bomba no Ibirapuera.
Seis meses depois o governo baixou o AI-5, ninguém foi para a rua, e o Brasil entrou no seu pior período ditatorial. Não foi a passeata que levou a isso. Ela era o fim de um ciclo. A bomba e o interesse do governo em subverter a precária ordem constitucional da época foram o início de outro.

Festejando-se a memória da passeata, varreu-se para baixo do tapete a lembrança de um erro catastrófico. Passaram-se 45 anos e centenas de pessoas que participaram de atos terroristas se maquiaram como combatentes da causa democrática. Lutavam contra uma ditadura, em busca de outra, delas.


É o caso de perguntar o que é que isso tem a ver com o que está acontecendo no Brasil de hoje. Nada. O professor Pedro Malan já disse que no Brasil não só o futuro é imprevisível, mas também o passado. O sumiço da bomba do Ibirapuera na memória do 26 de junho de 1968 mostra que ele tem razão. Quem queria golpear a democracia? Cada um tem direito a responder como bem entender. O que não se pode é achar que há 45 anos tanto o marechal Costa e Silva como os tripulantes do comboio que levou a bomba ao QG do Ibirapuera quisessem defendê-la.

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