ELIO GASPARI
A
passeata de 1968 foi o fim de um ciclo
É bom
lembrar: naquele dia o fato relevante foi o atentado ao QG do 2º Exército, que
matou um soldado
Na semana passada, enquanto as multidões
continuavam nas ruas, ecoou a memória da Passeata dos Cem Mil, de 26 de junho
de 1968. A geração daqueles dias, com sua magnífica experiência, atribuiu-se
uma capacidade de explicar o presente fazendo paralelos com o que viveu. Assim,
além de não se explicar o presente, frequentemente se muda o passado.
No dia 26 de junho de 1968 aconteceram duas
coisas. Às 4h30, de madrugada, o soldado Mario Kozel Filho, de 18 anos, estava
na guarita de sentinela do QG do 2º Exército, no parque do Ibirapuera, e viu
uma caminhonete C-14 vindo em direção ao portão do quartel. Desgovernada, ela
parou num muro. O soldado foi ver o que era, e a C-14, com 50 quilos de
dinamite, explodiu e matou-o. Horas depois, numa bela tarde do Rio, a passeata
saiu pela avenida.
Contavam-se nos dedos as pessoas que gritavam
"o povo unido jamais será vencido" dando importância à Vanguarda
Popular Revolucionária, que explodira a bomba no Ibirapuera.
Seis meses depois o governo baixou o AI-5,
ninguém foi para a rua, e o Brasil entrou no seu pior período ditatorial. Não
foi a passeata que levou a isso. Ela era o fim de um ciclo. A bomba e o
interesse do governo em subverter a precária ordem constitucional da época
foram o início de outro.
Festejando-se a memória da passeata, varreu-se
para baixo do tapete a lembrança de um erro catastrófico. Passaram-se 45 anos e
centenas de pessoas que participaram de atos terroristas se maquiaram como
combatentes da causa democrática. Lutavam contra uma ditadura, em busca de
outra, delas.
É o caso de perguntar o que é que isso tem a
ver com o que está acontecendo no Brasil de hoje. Nada. O professor Pedro Malan
já disse que no Brasil não só o futuro é imprevisível, mas também o passado. O
sumiço da bomba do Ibirapuera na memória do 26 de junho de 1968 mostra que ele
tem razão. Quem queria golpear a democracia? Cada um tem direito a responder
como bem entender. O que não se pode é achar que há 45 anos tanto o marechal
Costa e Silva como os tripulantes do comboio que levou a bomba ao QG do
Ibirapuera quisessem defendê-la.
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