NÓS, OS FRANCENILDOS
O pai do caseiro da mansão em Brasília onde autoridades encontravam-se para negociatas e surubas, depositava, periodicamente, uma importância na conta do filho, para ajudá-lo a comprar um imóvel. O caseiro confidenciou a um jardineiro a compra que iria fazer e revelou o saldo de sua conta corrente. O jardineiro comentou com sua patroa, a jornalista Helena Chagas, que informou ao senador Tião Viana (PT), que transmitiu ao Ministro da Fazenda Antonio Palocci. Este, chamou o presidente da CEF, Jorge Matoso . No mesmo dia, o extrato bancário de Francenildo estava nas mãos do ministro, que chamou seu assessor de imprensa Marcelo Neto. O extrato andou em várias mãos e foi publicado pela revista Época.
Não é preciso ser Sherlock Holmes para inferir quem quebrou o sigilo bancário do caseiro que afirmara na CPI, ter visto várias vezes o ministro Palocci no covil de lobistas e sede de surubas. Pode ter sido apenas um o culpado pela quebra do sigilo, como podem ter sido também os demais que concorreram para a divulgação do extrato, caracterizando formação de quadrilha.
O STF não julgou o mérito da causa, pois a ação nem chegou a ser instaurada. Não absolveu nem condenou ninguém. Fez muito pior que inocentar culpados. Não admitiu sequer fosse instaurada ação judicial, apesar de os fatos constantes dos autos da denúncia TEREM SIDO COMPROVADOS pela Polícia Federal. Logo, teria que ser acolhida a denúncia e, posteriormente, haver o julgamento de todos os envolvidos.
Um princípio do estado de direito, inserido na Declaração Universal dos Direitos Humanos é de que “todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração”.
Cinco ministros do STF, inclusive o presidente Gilmar Mendes, aderiram ao princípio de Lula de que o estado deve distinguir os cidadãos comuns dos poderosos. A estes, confere-se total impunidade e liberdade para ignorarem as leis, derrogando o art. 5º da Constituição Feed3eral, que diz: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...” É a negação da democracia; um atentado contra o estado de direito que não víamos desde a derrubada da ditadura militar.
Quando são praticados atos como os de Sarney e os do ex-ministro Antonio Palocci, e não há punição, é evidencia gritante de que os poderosos não conhecem limites; o que lhes interessa é a manutenção do poder a qualquer preço. A invasão da privacidade do caseiro Francenildo, a devassa em sua conta bancária, é um ato abominável que pode acontecer contra qualquer cidadão. É um largo passo para a instauração do estado policial; é um ultraje à consciência dos brasileiros.
Como bem disse o ministro Marco Aurélio, a corda arrebenta do lado mais fraco. No caso, o presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Matoso e o Francenildo que não teve reparada a grave ofensa que lhe foi impingida. No primeiro caso, sendo óbvio que Matoso cumpriu determinação do seu superior, é também um desestímulo, por analogia, a que se busque punição aos responsáveis pelas torturas, seqüestros e outras violências ocorridas durante a ditadura militar. Certamente, alcançarão apenas os agentes que praticaram a ação e nunca os mandantes. Mas nem por isso devemos desistir de lutar pela abertura dos arquivos da ditadura e discutir o alcance da Lei 6683/79, a Lei da Anistia.
O recado que o STF passou à sociedade é que o que ocorreu a Francenildo será aplicado a qualquer cidadão comum que “ousar” denunciar prática criminosa de alguma autoridade.
Cabe aos cidadãos e organizações civis reagirem à vilania.
Em 2 de setembro de 2009
RONALD SANTOS BARATA
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