O texto publicado no jornal A Noticia de autoria de Juarez Machado tem sido um campeão de envios e reenvios pela rede. Eu mesmo já recebi mais de 10 e-mails com o texto.
..Ai de ti, Joinville!
Entre memórias e reflexões sobre uma Joinville
de ontem e de hoje, o artista Juarez Machado escreve carta aberta aos
candidatos à Prefeitura de Joinville. Sem deixar de lado o estilo provocativo,
nosso artista maior declara sua esperança de ver a cidade adotar suas
identidades culturais, ao mesmo tempo em que se confronta com os males da
modernidade
Título lembrado de uma crônica de Rubem Braga
de 1958, “Ai de ti, Copacabana”. De maneira premonitória, o autor canta a
falência do famoso bairro de Copacabana. Fomos amigos e vizinhos no bairro de
Ipanema nos anos 60/70, quando aquele logradouro estava ditando o novo
comportamento da inteligência brasileira. Na data, o grito de guerra era:
“Proibido proibir”.
Caros senhores candidatos a prefeito da minha sagrada cidade de Joinville: quem
sou eu para dar conselhos? Porém, permito dar algumas dicas. Sou urbano de pai
e mãe. Conheço muito mais cidades do mundo do que vocês de palanques de
comício. Já montei mais de 36 atelieres em várias partes desta terra de Deus.
De todos, como num ventre fértil, fiz minha pátria, não importando em que lugar
fosse, aqui ou acolá. O inteligente aprende vendo os erros dos outros. Todo
forasteiro que tenta impor seus valores em terras alheias acaba sendo
sacrificado; boi no pasto do vizinho é vaca. É necessário saber, com muito
cuidado, seduzir, não impondo suas verdades, mas sim deixando transparecer.
Cada cidade já tem seu código, sua moral, seus pesos e medidas. Não tente
mudar. Mesmo por que a cidade tem mais tempo de vida que os senhores. E, com
certeza, os senhores irão morrer muito antes que ela.
Como joinvilense de corpo e alma, tenho consciência de que nossa querida cidade
não tem grandes apelos de belezas anatômicas, como praias, lagos, montanhas
cobertas de neve, cascatas, ilhas, dunas e outras maravilhas de valores
turísticos e ecológicos. Temos alguns morros que, se não tivermos atenção, vão
virar favelas. Sou testemunha da transformação dos morros do Rio de Janeiro. Na
gastronomia, temos algumas delícias, pratos e doces típicos da nossa cultura,
porém não é dado estímulo às novas gerações para aprenderem as receitas da
vovó.
Temos um rio morto e podre. Vários prefeitos prometeram salvá-lo, mas nada
aconteceu. Também vivi como testemunha ocular que o rio Cachoeira já foi tão
bonito quanto o rio Sena em Paris e o rio Arno em Florença. Lembro que, aos
domingos, nas margens, as famílias faziam piquenique. Havia competições de
barcos a remo. Namorados navegando em canoas, outros simplesmente mergulhando
nas águas limpas e senhoras nas câmaras de pneus no belo e largo rio. Navios de
grande calado atracavam no porto do Bucarein ou no do mercado municipal,
trazendo riquezas do mundo (tenho dezenas de fotos tiradas por meu pai, João
Machado). Afinal, o rio foi o caminho para chegada dos primeiros imigrantes, se
isso fosse hoje, voltariam todos caminhando sobre a lama.
Nosso clima é outra coisa séria e que ninguém reflete sobre. Ou chove muito ou
tem sol de rachar, com os mesmos problemas que se repetem ano a ano:
inundações, deslizamentos, engarrafamentos, postes caídos, etc, etc. E os
eleitores pedestres com a água na cintura. Caros senhores, estes problemas já
conhecidos – mais esgoto, transporte público, saúde, luz, gás, educação... –
não é privilégio para o povo; é obrigação do governo.
Vamos proteger os que andam a pé, que é o meu caso (joguei no lixo meu carro
quando fiz 60 anos, meu melhor presente). Pessoas a pé também são humanas e têm
sentimentos. Digo isto porque arquitetos, engenheiros e outros mais acabaram
com as marquises na nossa cidade. Em muitos lugares do mundo, caminho
tranquilamente sem me molhar ou assar os miolos, graças às protetoras marquises
que foram criadas para isto. Plante árvores de folhas grandes por toda a
cidade. Generoso que sou, dou de graça o nome da nova campanha: “Uma árvore
para cada cidadão”. Simples, bonito e útil.
O código de Joinville está ficando nebuloso. Na verdade, é um grito de
nostalgia de coisas que os governos anteriores deixaram de lado. “Cidade das
Bicicletas”, que bicicletas? Este veículo nasceu para ser transporte, não vejo
alguma circulando pelas ruas, nem mesmo um projeto decente de ciclovias, onde o
ciclista possa ir tranquilamente ao banco, trabalho, escola, supermercado e até
o lazer.
“Cidade das Flores”, onde? Quais? Quantas? Só vejo as tais nas vitrines das
lojas de 1,99, todas de plásticos com cores ácidas, já meio desbotadas pelo sol
do meio-dia. Os parques da cidade, onde estão? Lugares onde as pessoas possam
caminhar entre árvores, flores e orquídeas ao canto de passarinho e cigarras.
Lembram das cigarras?
Tudo virou estacionamento, onde em breve irão construir mais um espigão de mau
gosto. A cidade está à beira de um colapso de identidade. Ficaremos igual a
qualquer cidade medíocre deste enorme Brasil.
Esqueçam o Centro da cidade. Guardem o que resta deste espaço num caixinha de
joias e façam disto um patrimônio histórico único. Proíbam os carros, camelôs,
botequins e façam desta área um lugar para se andar a pé, longe dos barulhos
urbanos. Em todas as cidades inteligentes do mundo, é construído o shopping
center longe do Centro, obrigando as pessoas a saírem do miolo da cidade e
atendendo aos moradores da periferia. Protegendo, assim, a pracinha florida que
abriga o coreto com a bandinha, a esquina de encontros e os pequenos
comerciantes. Na rua do Príncipe, que só Joinville tem, incentivem os cafés
típicos, lojas de lembranças, livrarias de autores locais, galerias de arte com
artistas da terra, chocolates, sorvetes. O joinvilense ainda chora de saudades
do sorvete da Polar, que não existe há mais de 40 anos.
Tenham uma honesta humildade se eleitos. Os senhores não virarão imperadores da
cidade. Terão apenas uma pequena autoridade de síndico. Cuidem da melhor forma
possível do que existe e criem coisas novas, desde que sejam geniais.
Cerquem-se de pessoas talentosas e cultas, para bem polir seus projetos. Todos
os senhores já são bastante viajados, mas isto não basta. Parem de frequentar
lojas de departamento e só pensarem em compras. Visitem museus, galerias,
escolas, catedrais e igrejas. Esqueçam os restaurantes caros em busca de vinhos
estrelados, tomem o vinho da casa e vão conhecer os jardins, parques e
avenidas. Não aluguem limusine, andem a pé pelas ruelas das cidades, metrô ou
ônibus. Aprendam a observar, observar tudo e todos. Comprem uma máquina
fotográfica, não para o álbum de viagem, mas para fotografar ideias e soluções.
Sejam uns vampiros de ideias boas para adaptarem para nossa cidade. Fiquem
tranquilos, roubar ideias não é pecado e nem ilegal. Picasso fez isto nas artes
e foi o maior pintor, bebeu na fonte das esculturas greco-romanas e máscaras
africanas. Todos os artistas impressionistas se inspiraram nas artes seculares
dos japoneses.
Quando tiverem alguma dúvida, perguntem a um
desconhecido, jamais aos seus assessores, pois sempre irão responder ao seu
favor para lhe agradarem.
Sei que os tempos mudaram e não mais se administra uma cidade como outrora. O
poder do prefeito não tem mais alguma autonomia. Não é mais “personagem”. Agora
ele tem que dividir a mesa de trabalho com outros filhos de outros casamentos.
Tem que seguir à risca as leis da bíblia do partido. Tem que rezar os projetos
de suas seitas, igrejas ou bordéis patrocinadores. Portanto, caros senhores
candidatos, não prometam nada, nada mesmo, que não possam realizar. O povo –
entre ele, eu – ainda acredita na dignidade e na grandeza do ser humano. Por
todo nosso amor a Joinville!
Juarez Machado, Joinville, agosto de 2012.
*Juarez Machado, joinvilense, é artista plástico, escultor, desenhista,
caricaturista, designer, escritor, fotógrafo e ator. Tem seu trabalho
reconhecido em todo o mundo, seja em prêmios ou em exposições. É autor do mural
“O Grande Circo”, que dá as boas-vindas aos visitantes do Centreventos Cau
Hansen, e celebrou seus 70 anos com a mostra “Soixante-Dix”, exposição aberta
no ano passado em Paris e que está em cartaz até 2 de setembro no Museu de
Arte de Santa Catarina (Masc).