Paris 21
DEZ RENOMADOS ARQUITETOS, COMO RICHARD ROGERS E JEAN NOUVEL, PROPÕEM SOLUÇÕES QUE PODEM LEVAR A CAPITAL DA FRANÇA A PASSAR POR UMA DAS MAIORES RENOVAÇÕES URBANAS DA HISTÓRIA
GABRIELA LONGMAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM PARIS
Um ano atrás, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, convocou dez dos mais importantes escritórios de arquitetura e urbanismo da Europa com uma encomenda ao mesmo tempo fluida e precisa: traçar planos para o futuro de Paris, a partir de duas prioridades -integração centro-periferia e forte preocupação ambiental.
Cada equipe recebeu 200 mil e total liberdade para identificar problemas, estudar, planejar, imaginar o que seria "a metrópole do século 21 pós-Protocolo de Kyoto" num prazo de 20 a 40 anos.
Associados a grandes universidades e centros de pesquisa, os arquitetos tiveram a colaboração de economistas, sociólogos, geógrafos e engenheiros para formular seus projetos.
O resultado foi apresentado no dia 13 e foi tema de um debate público na última terça.
Entre os envolvidos está o britânico Richard Rogers, o alemão Finn Geipel e os três "caciques" da arquitetura francesa: Jean Nouvel, Yves Lion e Christian de Portzamparc -este último responsável pelo projeto da Cidade da Música, no Rio de Janeiro.
Mas não se trata de uma competição, pois, ao que consta, nenhum dos projetos será "selecionado" para se transformar em realidade.
A ideia foi, ao contrário, criar uma "enciclopédia" de soluções possíveis que ajude nas futuras decisões políticas ligadas à gestão urbana, espécie de "dossiê do território" que permita gerir como e para onde a cidade irá crescer.
O mapa atual mostra uma divisão marcada entre a Paris "oficial" (administrada pela Prefeitura de Paris) e a Grande Paris (cidades-satélite inclusas). Separadas pelo bulevar Périphérique (anel viário que cerca a cidade), a Paris de "dentro" -turística, patrimonial e bem servida por transportes e áreas de lazer- não se parece em nada com a outra, de fora, onde estão os grandes escritórios, os bairros-dormitórios e a maior parte da população -a cidade "real".
"Não conheço nenhuma outra cidade em que o coração esteja tão separado de seus membros", declarou Rogers, cuja proposta prevê um trem de superfície ocupando o lugar do Périphérique e a construção de 400 quilômetros de área verde sobre os telhados da cidade.
Poesia
Se algumas equipes deram ênfase aos relatórios técnicos, outras fizeram planos mais imaginativos.
Antoine Grumbach, por exemplo, propôs um crescimento horizontal, margeando o Sena, aproveitando "os potenciais econômicos, ecológicos e poéticos" do rio.
No projeto de Yves Lion, dois enormes "central parks" combateriam o aquecimento global previsto -cálculos da agência Méteo France estimam que, em 2100, o clima de Paris será semelhante ao de Córdoba, no sul da Espanha.
Baseado em tudo o que viu e ouviu dos arquitetos, Sarkozy prepara o que será o "seu" plano para a Grande Paris, com anúncio oficial marcado para o próximo domingo.
A obra-símbolo do projeto, no entanto, já foi divulgada por seu secretário de Desenvolvimento da região capital, Christian Blanc: trata-se de uma linha de trem circular de 130 quilômetros de extensão integrando os principais subúrbios, os aeroportos de Orly e Charles de Gaulle e La Défense (principal centro financeiro).
Os números são monumentais: o novo arco ferroviário prevê de dez a 12 anos de trabalho, com custos estimados em 15 bilhões a serem financiados em 50 anos no sistema PPP (parceria público-privada).
O sistema deverá funcionar 24 horas, com "segurança total" e trens conduzidos automaticamente "para evitar greves". O projeto original previa que os trens fossem subterrâneos, o que gerou protesto da parte dos arquitetos.
"Não enterramos as pessoas para que se desloquem", contestou Jean Nouvel em entrevista ao "Le Monde". Os urbanistas fazem coro: para alguém se sentir parte de uma metrópole, é preciso poder descobri-la ao atravessá-la.
Mas a verdade é que ninguém sabe ainda se a gritaria vai surtir efeito. Em declarações à imprensa, Blanc explicou que o trem em túnel "evita os procedimentos de consulta pública que alongam muito os prazos de realização".
Grandes obras
Todos os últimos presidentes da França deixaram monumentos na capital, a começar por Georges Pompidou -o Beaubourg.
Já François Mitterrand é associado ao prédio da Bibliothèque Nationale de France (por Dominique Perrault, 1996), enquanto o reinado de Jacques Chirac ficou marcado pelo Musée du quai Branly (por Jean Nouvel, 2006).
Mas os paralelos não param aí. Ao pensar em reformular toda a estrutura urbana, a atitude de Sarkozy vem sendo comparada à de Napoleão 3º.
Muito bem impressionado com o que vira em Londres entre 1846 e 1848, o imperador juntou-se ao então prefeito de Paris, Georges Haussmann, para uma completa reconfiguração urbana da cidade.
Centrada na construção de largas avenidas (para impedir as barricadas), as reformas de Haussmann enterraram o caráter medieval da cidade e deram à capital francesa o traçado imponente que até hoje conserva.
Para o bem ou para o mal, a escala das obras previstas tem levado a imprensa francesa a formular um diagnóstico: Nicolas Sarkozy não pretende deixar o Palácio do Eliseu tão cedo. Por hora, restam os croquis apresentados para o deleite dos amantes de arquitetura.
As propostas do projeto Grande Paris farão parte de exposição na Cidade da Arquitetura e do Patrimônio, em Paris, de 29/4 a 22/11.